Se há um momento nas nossas vidas que define alguns dos nossos futuros afectos, o meu aconteceu em idade muito precoce.
No início dos anos sessenta, com os meus pais recém-casados, a nossa família embarcou para a África, mais especificamente para Nacala, Moçambique, onde o meu pai, um engenheiro mecânico, fora encarregado de supervisionar a montagem e instalação de um alto-forno numa nova fábrica de cimentos. Eu tinha menos de 3 anos, nessa altura.
Postula a ciência que esses momentos iniciais da nossa existência são embebidos numa névoa de recordações conhecida como "amnésia infantil" e eu não serei excepção.
Alguns fragmentos de memória terão conseguido, no entanto, passar através do véu sobre esses tenros anos.
Um desses momentos, o mais significativo, é a lembrança de estar dentro de um avião, a olhar através de uma janela quadrada (... muito provavelmente, a de um L-1049 Super Constellation...) e ver uma cena de intenso brilho em vermelho-alaranjado ardente, iluminada por um gigantesco pôr-do-sol africano, uma imagem indelével e perenemente gravada no meu cérebro infantil.
A esta distância no tempo, reconheço aquele como o momento inceptivo para duas das minhas paixões: Aviação e Fotografia.
Se a Aviação foi devida e constantemente acarinhada e nutrida, primeiro com uma carreira como piloto militar e, subsequentemente, com uma transição para a actividade que agora ainda exerço como piloto de linha aérea, já a práctica fotográfica teve um início bem mais serôdio.
Até 2004, as minhas incursões no registo de imagens haviam sido esparsas e furtuitas.
Até aí, tinha sido mais um consumidor de boas imagens, em fotografia ou cinema, do que um utilizador consequente de material fotográfico para criação própria. Ainda assim, nas poucas vezes em que me aventurei na recolha de imagens, sempre senti que era algo de significativo, algo a que me sentia instintivamente ligado.
Surge então, em força, a fotografia digital e, desde muito cedo, ficou para mim claro que o domínio total sobre o todo o processo fotográfico, desde o momento em que "vemos" algo e o momento em que o imprimimos ou mostramos, era algo demasiado perfeito para não ser abraçado.
Apesar de só agora ter atingido a sua "velocidade de cruzeiro", esta minha viagem pelo domínio da fotografia tem sido extremadamente enriquecedora.
Ao mesmo tempo que explorava o discurso e a semântica singulares deste meio de expressão, foi-me permitido ir ao encontro de uma melhor compreensão dos lugares que visito e das pessoas que conheço.
A Fotografia tem-me fornecido processos adicionais para usufruir de uma forma cada vez mais intensa deste sempre curto arco existencial que nos é oferecido, num contínuo crescendo de apreciação e usufruto de espaços, tempo e pessoas. Estou-lhe, assim, grato por me permitir admirar mais profundamente aquilo que me envolve, o que a todos nos toca.
Percebi que, por vezes, tudo o que é necessário é um olhar intencional, único, sobre coisas comuns para deixá-las brilhar sob uma luz diferente.
Através da fotografia, no que imagino e no que vejo, descobri que o caminho para um verdadeiro Conhecimento não é apenas buscar, identificar e tentar perceber o que nos rodeia.
É, também, a maneira como olhamos.